
Fazia 9 anos que eu sabia que Deus tinha me chamado para ser missionário no Brasil. Eu ainda estava no ensino secundário. Agora, com a idade "madura" de 25 anos, eu era casado e tinha dois filhos pequenos. Tínhamos acabado de passar 15 longos, difíceis meses na estrada, ficando com pessoas que nunca tínhamos conhecido, em lugares onde nunca tínhamos estado, a preparação perfeita para nossa nova vida no Brasil. Tínhamos chegado ao ponto crucial em que mais ingredientes seriam introduzidos na receita das nossas vidas: uma nova língua e cultura, novas vistas, sons, cheiros e sensações, e nós não estávamos na cozinha. Como iria ficar tudo isso? A prova do pudim fica no comer, dizem os ingleses.
Quando desembarcamos em Nova York, na tarde de 23 de março de 1972, tínhamos saído de Chicago cerca de duas horas antes. Na aproximação do aeroporto, Raquel (4) olhou pela janela para a cidade em baixo e proferiu o eufemismo do dia. Pensando que tínhamos regressado a Chicago, ela disse: "Só subimos para dar uma volta." Não, Raquel. Mal sabia ela que esta nossa viagem era somente o início de uma mudança de vida, uma viagem que não terminaria com os seguintes voos de 9 horas para o Rio de Janeiro e de uma hora ainda para São Paulo, onde….. aterrámos quase 24 horas depois de sair de Chicago. O cenário dos arranha-céus de São Paulo em nada ficou a dever à vista dos de Nova York, mas depois de passar quase 24 horas em viagem, até Rachel sabia que não tínhamos "subido só para dar um passeio".
Em obediência à chamada de Deus, qual não era a nossa alegria de finalmente termos chegado ao Brasil, onde iríamos passar o resto das nossas vidas – e foi isso que fizemos por 3 anos até que Deus revelou o campo missionário que Ele realmente tinha em mente para nós: a Ilha da Madeira, um lugar que nunca tínhamos ouvido falar. 3 anos e 3 meses depois passaríamos pelo aeroporto de São Paulo novamente, deixando o Brasil para trás de vez, rumando para os EUA e daí, eventualmente, para Portugal. Ao desembarcarmos em São Paulo, não tínhamos a mínima ideia de que o Brasil era apenas o campo de treinamento para nosso trabalho na Ilha da Madeira, onde passaríamos o resto de nossas vidas – desta vez durante 40 anos. A Madeira foi a escola que nos preparou para o nosso serviço atual aqui em Arkansas. Aqui, mais uma vez vamos passar o resto das nossas vidas trabalhando para o Senhor – por quanto tempo desta vez? Duração ainda desconhecida. Em verdade, não temos ideia de quantos outros lugares para onde Deus poderia nos chamar para passar “o resto de nossas vidas”. Temos passado o resto das nossas vidas servindo a Ele desde o dia em que Ele nos chamou quando ainda éramos crianças, e cada um desses locais foi um passo, um degrau, na preparação para os serviços destinados para nós no Reino que Jesus estabelecerá na Terra quando Ele voltar. Lá, passaremos o resto das nossas vidas servindo e adorando a Deus — eternamente. Nesta vida, estamos apenas no começo da nossa comissão.

Mais uma vez, ao escrever a história de 1972, consultei o diário que mantive fielmente, mas notei uma grande diferença entre as entradas anteriores a 23 de março e as posteriores a essa data. Enquanto ainda estávamos nos EUA, havia lacunas no registo, dias e de vez em quando uma semana ou mais em que nada valia a pena notar. No Brasil, nenhuma página foi deixada em branco e a maioria das páginas foi completamente preenchida, de margem a margem. Muitas vezes os dias foram longos e exaustivos, mas todas as noites a última coisa que tinha de fazer era registar os acontecimentos do dia, por mais cansado que eu estivesse. Tudo era novo e diferente e precisava ser registado.
Mesmo assim, muitos detalhes não foram incluídos no meu diário, mas pude recorrer às cartas que eu e Abbie escrevíamos aos nossos pais quase todas as semanas. Depois da morte da minha mãe em 2019, fiquei com maços de cartas que tínhamos escrito e que ela cuidadosamente guardou. Encontrámos todas as cartas que lhe escrevemos do campo missionário no Brasil e em Portugal. Só nos últimos 9 meses de 1972, foram 23 cartas que forneciam outra perspetiva do que estávamos passando.
Esses primeiros nove meses no Brasil foram uma espécie de gestação para a nova família missionária
Por uma questão de simplicidade, vou dividir nossa história no Brasil em anos civis, embora a vida não caia perfeitamente nas divisões do calendário. Para começar, o resto de 1972 foram os nossos primeiros nove meses num país estrangeiro. As únicas vezes que tínhamos estado fora dos EUA foram uma semana na Colúmbia Britânica, no Canadá, e algumas horas do outro lado da fronteira, em Tijuana, no México. Em nenhum destes casos a língua local constituiu um problema. Lidámos muito bem com o inglês canadense, eu acho, e nossa breve incursão no México não foi suficientemente longa para fazer um blip na tela do radar.
Olhando para trás, esses primeiros nove meses no Brasil foram uma espécie de gestação para nós como missionários: tivemos de nos desenvolver o suficiente para que pudéssemos respirar sozinhos. Ainda havia muito para aprender e tanto crescimento a desenvolver, mas não estávamos numa incubadora... Até ao final do ano, éramos uma família missionária lançada na vida, equipada para lidar com o nosso novo ambiente.
Então, aqui finalmente estamos no Brasil: o que foi diferente?
Ou melhor, o que é que não foi diferente? Comecemos pelas coisas que nos causaram a maior impressão nesse primeiro mês.
Então, aqui finalmente estamos no Brasil: o que foi diferente? Antes, o que é que não foi diferente? Comecemos pelas coisas que nos causaram a maior impressão nesse primeiro mês.
A primeira vista de nossa nova pátria foi do ar na aproximação à pista no Rio de Janeiro. A terra era vermelha, assim como os telhados dos edifícios baixos. As árvores eram verde-escuras e tropicais, uma indicação de que não estávamos mais em Chicago. Isso deveria ter-me preparado para sair do avião. Quando partimos de Chicago, a temperatura estava por volta de -5º (C) e quando chegamos ao Rio de Janeiro no dia seguinte a temperatura estava na casa dos 30º (C). Passámos de temperaturas abaixo de zero (-5º C) para o calor húmido de 30º C em 24 horas. Eu embarquei no avião em Chicago, vestido para o tempo de inverno – quatro camadas: camisa de baixo, camisa de manga comprida, colete e casaco de malha dupla. (A malha dupla estava na moda naquela época.) Quando descemos do avião no Rio, eu entrei de fato e gravata em uma sauna. E não fui só eu. Não havia ar condicionado no aeroporto, onde fomos primeiro para a imigração. Quatro ou cinco agentes de imigração estavam sentados atrás de uma longa mesa sem cabines ou janelas. Vejam só como os tempos mudaram, e as medidas de segurança também! Minha primeira visão que ainda guardo na mente depois de pisar o solo do Brasil é a imagem de um dos oficiais sentados à mesa, suando e se abanando com a gravata. Eu tinha na mão um maço de formulários que abanei na tentativa de aliviar-me naquele calor. Na falta dos papéis, tenho a certeza que eu teria usado a minha gravata de malha dupla, também.
Os documentos que abriram as portas
A pista de papéis




A igreja em Santa Cruz do Rio Pardo, no estado de São Paulo, apresentou o pedido inicial para nossa ida para o Brasil como missionários em 16 de abril de 1971. Foi finalmente aprovado em 18 de Outubro, e durante esse tempo todo estávamos na estrada, aguardando (pacientemente?) a notificação que estava aprovado. Mas o Consulado em Chicago só notificou a nossa igreja em Rockford, Illinois. dois meses depois, em 18 de dezembro. que estávamos autorizados a proceder com a obtenção dos vistos. Estes foram carimbados nos nossos passaportes no dia 28 de fevereiro, 1972, e tínhamos o prazo de 90 dias para entrar no Brasil. Chegámos no dia 24 de março, menos de um mês depois. Estávamos mais do que preparados para ir! [No pedido inicial, constou que o salário mensal era de "Cr$ indeterminado", esclarecendo em baixo que eu ia ser "sustentado por ofertas voluntárias, não tem junta missionária sediada nos EEUU ou aqui (Brasil). Será membro aqui."]
Era ainda o tempo quando os EU emitiram passaportes familiares, e as crianças ficaram no passaporte da mãe. A única explicação que eu consegui arranjar era que, em caso de uma eventual emergência, os filhos podiam abandonar o país seguros na companhia da mãe, enquanto o pai deles definhava em prisão. :)
Memórias de comidas e bebidas...
Agora, 50 anos depois, os sabores e cheiros desse novo país ainda permanecem na nossa memória. Fizemos uma escala de 3 horas no Rio antes de pegar nosso voo de uma hora para São Paulo, onde colegas missionários estavam à nossa espera... durante muito tempo. Nosso voo chegou com 7 horas de atraso. Em terra, no Rio, esperamos nosso voo no único espaço climatizado do aeroporto: o restaurante, onde experimentamos pela primeira vez o sabor do Brasil. Uma senhora brasileira que viajava com os filhos de Chicago para São Paulo observou este jovem casal com dois filhos pequenos, de 3 e 4 anos, e percebeu que não tínhamos nenhuma ideia do que estávamos a fazer. Ela foi muito amável e sugeriu que experimentássemos guaraná no menu de bebidas. Olhei para o rótulo e hesitei. "Sem álcool". Eu não sabia quase nada em português, mas eu não precisava de um curso de línguas para saber o que "álcool" significava. Só faltava o “h” da palavra inglesa. Eu já sabia Português o suficiente para pronunciar a primeira palavra, mas não sabia o seu sentido. A senhora viu minha reação e explicou o que "sem" queria dizer. Mais uma palavra portuguesa adicionada ao meu muito reduzido vocabulário ativo. Então experimentamos a bebida guaraná pela primeira vez, um sabor que descrevi no meu diário como sendo "um cruzamento entre sidra e ginger ale".
Foi nesse restaurante que sentimos pela primeira vez o cheiro dos bifinhos de carne brasileira a serem fritos. Não consigo descrevê-lo e não sei se é a carne em si ou o óleo e qualquer tempero em que é frita, mas vou reconhecê-lo se algum dia me deparar com ele novamente. E pouco tempo depois, no voo de ligação para São Paulo, bebemos café brasileiro pela primeira vez. A aeromoça nos trouxe pequenas xícaras e deitou o café de uma garrafa térmica normal. Duas coisas me impressionaram imediatamente: o café era morno, e era doce, que era quase repugnante para mim, pois eu sempre tinha bebido café preto, sem açúcar. Era quase um xarope. Descobrimos que os brasileiros adoram açúcar... Afinal, é um dos principais produtos do país. A pequena cidade em que acabamos morando é cercada por plantações de cana-de-açúcar e no verão vimos a fumaça subir dos fogos que queimavam as folhas dos caules de cana-de-açúcar antes de serem cortadas e enviadas para os engenhos de açúcar. Uma vez, parei em um posto de serviço na Estrada e pedi um café. A moça colocou um copo no balcão e continuou ao longo do balcão servindo outros, dando-me tempo para pôr açúcar no meu copo. Quando ela voltou servindo o café filtrado por um tipo de "meia", quando ela foi para deitar o café no meu copo, ela de repente parou e me olhou com uma expressão confusa. Ela viu que meu copo não tinha açúcar e não sabia o que fazer. Eu quase tive de puxar uma arma e ameaçá-la para obrigá-la a pôr o café em um copo sem açúcar. Anos mais tarde, na Madeira, brincámos com um dos membros da nossa igreja que era do Brasil. Fomos contando o número de colherezinhas de açúcar que ele pôs em seu cafezinho. Em nossos jantares de potluck na igreja sabíamos que as sobremesas trazidas pelas irmãs brasileiras seriam super doces.
...e da cera do chão de parquet
E por falar em impressões duradouras, havia o cheiro da cera do chão na casa da família Ross em São Paulo, onde passámos a maior parte do primeiro mês antes de nos mudarmos para uma casa ao lado da família Montgomery, a 400 quilômetros de distância, no interior do estado. Sempre ficámos com os Rosses quando íamos a São Paulo para tratar de documentos ou assuntos no banco. Eu não sei que cera era realmente usada no piso de parquet e os azulejos, mas era usada com frequência, uma vez por semana. Mesmo com os olhos fechados, o nariz nos dizia que estávamos na casa de Don e Betty, em São Paulo.
Mas nossa casa não iria ficar na grande metrópole de São Paulo. Havia uma casa à nossa espera 400 quilômetros ao oeste na pequena cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, perto da divisa com o Estado do Paraná. A casa tinha acabado de ser consertada e pintada dentro e fora. A única coisa que faltava era todo o resto.
Amei o post. Achei muito engraçado suas observações sobre a cultura brasileira. Amo vocês e tenho muitas saudades. Oro para Deus abencoa-los cada dia, e que continue com este lindo trabalho.
Bj enorme,
Debora Melo